Divulgação de qualidade na sua língua materna
Perguntámos aos nossos Native Scientists o que significa para eles fazer divulgação científica na sua língua materna.
As crianças migrantes em toda a Europa têm duas vezes mais probabilidades do que as crianças não migrantes de terem um desempenho inferior, abandonarem a escola precocemente e ficarem desempregados (Monitor da Educação e Formação da UE, 2015). A promoção da literacia entre estas minorias faz parte dos esforços para inverter esta tendência, para inspirar os estudantes migrantes a prosseguirem o ensino superior. Foi isto que nos levou a desenvolver ou participar na Native Scientists, que organiza oficinas que ligam cientistas internacionais a crianças migrantes que falam a mesma língua nativa e partilham uma herança comum. Perguntámo-nos como é que isto importava para as pessoas cientistas – os próprios migrantes – por isso perguntámos a 50 deles, de diversas disciplinas, níveis de carreira e nacionalidades, o que significa fazer divulgação científica na sua língua materna e como tal empreendimento teve impacto nas suas vidas. Alguns comentários foram editados para maior clareza e brevidade.
Benefícios pessoais e sociais
Sentindo-se mais perto das raízes:
95% destes cientistas consideram que fazer divulgação científica na sua língua materna lhes traz algo mais. Cientistas optam por fazê-lo por diferentes razões, mas todos mencionam pelo menos um destes três conceitos-chave: divulgar a ciência, inspirar as próximas gerações e valorizar o seu património. Para mais de um terço deles, é uma forma de se sentirem ligados ao seu país de origem e retribuírem, ao mesmo tempo que incentivam as crianças a usar a sua língua materna. Após as oficinas, 2 em cada 3 estudantes sentem-se mais orgulhosos de falar mais do que uma língua e 3 em cada 4 aprenderam cinco ou mais palavras novas. Este forte impacto positivo sobre as pessoas cientistas transparece nas salas de aula, com a maioria dos professores manifestando interesse em repetir a experiência.
“Estou no exterior há tanto tempo que nem me lembro quando foi a última vez que falei de ciência em português. Quando está no exterior, é difícil sentir que pertence a algum lugar – A Native Scientists fez-me sentir como se eu pertencesse novamente, senti-me em casa.”
(Vanessa Las Heras, portuguesa, pós doutorada na Irlanda)
A inspirar a próxima geração:
Um terço destes cientistas pretende servir de modelo, não só para inspirar as crianças, mas também para as sensibilizar para o facto de também poderem ser cientistas. Fazer divulgação numa língua diferente da língua do país anfitrião significa alcançar comunidades menos privilegiadas, que têm menos acesso a este tipo de atividades extra curriculares, e alguns cientistas reconhecem isso como uma razão para participar em tais atividades.
“Mostrar que a ciência pode ser criada em qualquer língua e que com disposição e bom treino pode se tornar um grande cientista independentemente de onde vem.”
(Lia Domingues, Portuguesa, Pós doutorada em França)
O poder de comunicar:
Usar a própria língua para falar sobre ciência pode ser um desafio para alguns, visto que a maioria está acostumada a fazê-lo exclusivamente em inglês. No entanto, um terço dos cientistas relata sentir-se fortalecido ao fazê-lo. É também uma oportunidade de praticar, de explicar a ciência na língua materna, uma mais-valia relevante num mundo onde é cada vez mais importante comunicar em mais do que uma língua. Algumas pessoas cientistas também mencionam que é mais fácil conectar-se e comunicar com estudantes na língua materna.
“Sempre fui habituado a comunicar ciência apenas aos meus pares e em inglês. Fazer divulgação científica na minha língua materna foi uma experiência completamente diferente, e simplificar a mensagem sem usar termos científicos foi mais fácil na minha própria língua - foi mais fácil encontrar as metáforas ou as palavras certas para me expressar”
(Roberta Codato, italiana, pós doutorada na França)
Benefícios profissionais
Novas oportunidades:
Estas atividades de divulgação também trazem benefícios profissionais: 98% dos investigadores afirmam que a participação nestas oficinas teve um impacto positivo nos seus empregos. Traz a possibilidade de ligação a outras pessoas cientistas compatriotas e, para alguns, até criou novas oportunidades de carreira ou influenciou as suas estratégias de carreira.
“Isso me fez perceber que adoraria mudar de carreira, deixando de trabalhar atrás da bancada do laboratório para uma profissão mais comunicativa e docente. Percebi que é mais gratificante para mim ajudar, ensinar e compartilhar o meu conhecimento com outras pessoas.”
(Sabine Weisheit, alemã, pós doutorada na Noruega)
Novas habilidades:
Um em cada três cientistas mencionou que a divulgação contribuiu para melhorar e desenvolver competências interpessoais, desde a preparação de apresentações e comunicação até ao envolvimento e gestão. Para 8% das pessoas cientistas, estas atividades foram a primeira oportunidade de aprender tais competências.
“Isso permite-nos desenvolver habilidades transferíveis essenciais para uma pessoa cientista. É fundamental desenvolver competências de comunicação e falar sobre assuntos complexos de forma simples e clara. Isto é importante porque a maioria dos projetos são interdisciplinares e precisamos comunicar-nos com cientistas ou colaboradores de diferentes formações. Além disso, ao conversar com estudantes, eles sugerem pontos de vista interessantes ou diferentes que nos fazem perceber diferentes lados do assunto.”
(Catarina Novo, portuguesa, pós doutorada no Reino Unido)
Novas perspetivas:
Notavelmente, mais de 10% das pessoas cientistas afirmaram que, após as oficinas, sentiram a sua motivação para trabalhar reavivada e reacenderam a sua paixão pela ciência.
“Ver o entusiasmo e ouvir o “uau!” às vezes compensou a frustração de experimentos fracassados ou de gerentes que não apoiam e que acham que isso é uma perda de tempo.”
(Anna Cupani, italiana, gerente de pesquisa no Reino Unido)
Um apelo por mais apoio à divulgação científica
Fazer divulgação científica traz, sem dúvida, múltiplos benefícios pessoais, profissionais e sociais; no entanto, ainda hoje é sobretudo o resultado de objetivos individuais e não de políticas institucionais. A divulgação científica pode ser vista como um mero hobby de interesse extra curricular ou como um esforço missionário que ajuda a elevar o perfil das pessoas cientistas e da instituição. A nível individual, cada um de nós pode decidir como queremos retratar os nossos esforços de divulgação científica. Muitos, com medo da discriminação negativa, optam por escondê-la dos seus colegas de trabalho e superiores. Outros, confiantes no valor das suas ações e conscientes da singularidade dos seus esforços, optam por celebrar o seu envolvimento e divulgá-lo na sua rede. Inegavelmente, para que mais pessoas possam aprender e beneficiar da prática da divulgação científica, a comunidade científica ainda precisa de libertar-se de alguns estigmas, mais indivíduos precisam de falar abertamente sobre os benefícios da divulgação científica e os gestores seniores precisam de estar mais empenhados. em atividades de divulgação e pressionar ativamente para que as suas instituições tenham políticas de divulgação científica positivas e viradas para o futuro.
“No final senti que só estar presente e disponível para falar com eles é o mais importante. Num mundo que precisa desesperadamente de confiar na ciência e na palavra de cientistas, penso que atividades de divulgação como esta são essenciais. E como as crianças são o futuro, incentivá-las a permanecerem curiosas é uma grande aposta.”
(Raquel Correia, Portuguesa, Técnica de Investigação na Alemanha)
Sobre a Native Scientists
A Native Scientists é uma premiada organização sem fins lucrativos de âmbito europeu que promove a diversidade cultural na ciência, na educação e na sociedade. A Native Scientists oferece oficinas de ciências e línguas, formações em comunicação científica e projetos personalizados para diversas instituições, incluindo escolas, universidades e embaixadas. O trabalho desenvolvido cria ponts entre crianças e cientistas para promover a literacia científica e linguística por meio de modelos de comportamento e aprendizagem integrada de ciências e línguas. Fundado em 2013, o seu trabalho chega a mais de 1.200 estudantes por ano e conta com uma rede de mais de 1.000 cientistas internacionais.
Sobre os autores
Mariana, Rafael e Joana são todos membros ativos da comunidade Native Scientists.
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