História de Sucesso: Antónia Estrela e a Nova Biblioteca em Rabo de Peixe
Antónia Estrela, linguista e professora na Universidade NOVA de Lisboa e na Escola Superior de Educação de Lisboa, fundou uma nova biblioteca na sua antiga escola primária após ter participado na primeira edição do programa Cientista Regressa à Escola, em 2022.
Era uma vez, não há muito tempo, uma linguista e professora chamada Antónia Estrela que regressou à antiga escola primária na pequena vila de Rabo de Peixe, nos Açores, para apresentar o seu trabalho às crianças que agora se sentam nas cadeiras onde ela própria se sentara em criança. A oficina teve um significado especial para Antónia, não só por ter sido o seu regresso à primeira escola onde estudou, mas também porque, naquele dia, reparou num problema preocupante: a escola não tinha biblioteca.
Como especialista em linguística, e sendo a oficina centrada no seu trabalho, a Antónia fez questão de levar alguns livros para partilhar com as crianças, que rapidamente ficaram fascinadas pelos mesmos. “Era um problema generalizado: as salas de aula estavam muito mal equipadas e não havia livros, nem sequer uma única estante”, conta Antónia.
Antónia foi informada pela diretora e pelos educadores e pelas educadoras de que não havia muitos fundos disponíveis para a compra de livros para a escola. Durante a oficina, um menino, interessante num livro em particular, perguntou se poderia ficar com ele. "Eu não estava preparada para dar livros às crianças. Trouxe um exemplar para mostrar e outro para oferecer à professora, e não consigo esquecer a voz daquele menino a dizer que gostaria de ter aquele livro", recorda Antónia. Foi nesse preciso momento que a ideia de criar uma nova biblioteca na escola surgiu.
A voz daquela criança não saiu da cabeça da Antónia durante, pelo menos, dois anos. Quando regressou em 2024, para outra oficina na sua antiga escola primária, começou a reunir livros em fevereiro desse mesmo ano, na Escola Superior de Educação de Lisboa, onde agora trabalha como professora adjunta. "Deixámos uma caixa à entrada, e a cada dia que passava, a caixa ficava cheia (...) e no final conseguimos recolher cerca de 640 livros." Todos ajudaram à causa — alunos, professores, organizações como Heróis Com Capa e até pessoas associadas à série portuguesa da Netflix Rabo de Peixe ajudaram, ao contactar as suas editoras, para trazer mais livros para este projeto.
“Aproveitamos todos os livros que foram doados. (...) A maioria dos livros era de literatura, histórias para crianças, alguns livros de poesia, alguns livros mais técnicos sobre ciência, comunicação científica, alguns dicionários e alguns manuais escolares, por exemplo.” Muitos dos livros também faziam parte do Plano Nacional de Leitura.
Embora inicialmente tenha pensado em fazer uma entrega simbólica de 10 livros, o desafio de transportar os restantes livros para os Açores ainda tinha que ser resolvido. O que parecia um obstáculo logístico foi rapidamente resolvido num golpe de sorte. "Acontece que o mundo é muito pequeno. Numa conversa com colegas, descobri que uma colega tinha um amigo que trabalhava numa empresa de transportes que, por acaso, enviava regularmente mercadorias agrícolas para São Miguel e, por acaso, tinha um armazém em Rabo de Peixe. Foi uma série de circunstâncias que tornou a entrega muito, muito simples. Eles juntaram-se à nossa causa e ajudaram-nos sem cobrar nada, e estamos muitíssimo gratos", disse Antónia
Apesar do seu trabalho como linguista, Antónia admite: "Eu não era uma grande leitora até aos 15 anos. Pode parecer surpreendente, mas isso também nos mostra que nunca é tarde para começar. Hoje, sabemos que a exposição aos livros é crucial, o quanto antes, pois tem muitos aspetos positivos e influencia fortemente a aprendizagem formal da leitura e da escrita." Relembra ainda uma professora de português do ensino secundário, Fabíola Cardoso, que foi fundamental no seu percurso académico.. "A professora foi essencial porque nos deu muitos autores portugueses e estrangeiros para ler, ensinou-nos gramática de uma forma que outros professores não faziam (…), e fez algo que muitos professores hoje em dia já não fazem ou fazem com menos regularidade: punha os alunos a escrever". A mesma professora, ao perceber que a jovem Antónia não tinha muitos livros, ofereceu-lhe um de presente de aniversário — um gesto de bondade que Antónia viria a repetir na sua antiga escola primária, em Rabo de Peixe.
Durante a oficina, Antónia procurou torná-la mais interativa, por exemplo, ao apresentar a palavra mais longa da língua portuguesa, com 46 letras. Para demonstrá-la, escreveu-a e desenrolou o papel aos poucos até que toda a palavra fosse revelada. “Há tantas coisas interessantes para descobrir, e pode ser uma ótima forma de cativar não só os adultos, mas também as crianças,” comenta Antónia Estrela.
“Acima de tudo, quero agradecer à Native pela oportunidade de regressar à escola — uma experiência que levará livros a muitas crianças,” reflete Antónia, sobre a sua experiência com o programa Native Scientists. Para além da oportunidade de regressar à vila onde cresceu, foi também uma forma de mostrar às crianças a importância da língua. “A nossa língua é o nosso cartão de visita — a forma como falamos e escrevemos. Diria que o uso da nossa língua deve ser perfeito, porque precisamos dela — neste caso, do português — para falar sobre todas as outras matérias,” explica. “E as expetativas foram cumpridas, porque foi uma experiência muito rica, muito interessante — não só para mim como pessoa, linguista e investigadora, mas também, acredito, para as crianças e professores que estiveram presentes.”
“Em breve será a terceira vez que participo no programa e continuo muito otimista. Estou ansiosa por ver como os livros que entretanto chegaram estão a ser utilizados e como foram organizados para que as crianças os possam aceder e consultar,” conclui Antónia Estrela.
*As citações foram retiradas de uma entrevista mais longa que Bruno Silva, gestor de comunicação da Native Scientists, fez com Antónia Estrela. Pode ouvir a entrevista completa aqui. Gostaríamos de agradecer à Ciência Viva por nos disponibilizar um espaço no Pavilhão do Conhecimento para realizar esta entrevista. Um grande obrigado ao Governo Regional dos Açores, por ter apoiado algumas destas oficinas. E por fim, um agradecimento especial também a Antónia Estrela pelo seu trabalho dedicado nestas oficinas e pelo seu projeto inspirador que levará conhecimento a inúmeras crianças.
Sobre a Native Scientists:
Fundada em 2013, a Native Scientists é uma organização sem fins lucrativos pan-europeia que cria pontes entre crianças desfavorecidas e cientistas. A sua missão é ampliar os horizontes das crianças, promovendo a literacia científica e reduzindo as desigualdades através de programas educativos de divulgação científica.
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